Lei Maria da Penha coloca 140 mulheres na cadeia
Dados da Justiça foram acumulados entre 2008 e 2012. Especialistas afirmam que na estatística estão agressoras de homens e de outras mulheres
Levantamento feito pelo iG
no banco virtual do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão
do MJ, mostra que cerca de dois mil homens são presos anualmente por
agredirem suas parceiras. Em meio ao comportamento violento masculino,
140 mulheres foram detidas nos últimos cinco anos por - nos dizeres da
lei - “causarem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial” contra pessoas que convivem no mesmo
ambiente familiar.
Os dados não traçam o perfil das vítimas, o que impossibilita saber quantos são homens e quantos são mulheres entre os agredidos pelas 140 detidas.
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O número detecta simplesmente o uso de violência por parte das mulheres. Na outra ponta da agressão, segundo especialistas, estão namorados, noivos e maridos, mas também violentadas em relações homoafetivas, além de filhas, mães e irmãs vitimadas por agressoras.
Cigarro apagado no peito
Todos os ouvidos pela reportagem, incluindo o
empresário C.B, 35 anos, que recorreu à proteção da Lei Maria da Penha
após ser ameaçado de morte e conviver com a cicatriz de um cigarro
apagado no peito pela a ex-mulher, fizeram questão de ressaltar que a
violência perpetrada por uma mulher ainda é minoria.
As estatísticas endossam a prevalência de
homens, já que as encarceradas com base na legislação representam 0,88%
da quantidade de homens penitenciados no período analisado (15.889 no
total). Veja no gráfico abaixo:
“É lamentável que, em pleno século 21, os
homens ainda ataquem suas mulheres. E isso acontece muito”, lamenta o
empresário, que prefere o anonimato.
Ele ganhou a proteção da Lei Maria da Penha contra a
ex-mulher em 2008 e ainda convive com as sequelas da violência. “Mas
assim como as mulheres, em um dado momento, sentiram necessidade de
criar meios, leis e entidades para se defender da agressão dos homens, o
gênero masculino vive hoje um momento parecido”, diz. “Um momento em
que se faz necessária a criação de entidades às quais se possa recorrer
para receber orientação, receber apoio”. Leia a entrevista completa com ele, que foi caluniado e perseguido pela ex-mulher, aqui.
Divergências
Entre estudiosos e juristas, a utilização da
Lei Maria da Penha para proteger vítimas masculinas não é consenso.
“Achamos inadmissível usá-la em favor dos homens”, avalia Ana Teresa
Iamarino, do departamento de enfrentamento da violência contra a mulher,
da Secretaria Especial de Políticas Para Mulheres, ligada ao governo
federal.
“A lei foi criada justamente para beneficiar mulheres,
aquelas que vivem uma relação desigual de poder, de força e de opressão.
Nosso acompanhamento mostra que quando a lei é usada em favor deles, as
decisões acabam revogadas. Estes casos que resultam em prisões de
mulheres, em geral, são para beneficiar outras mulheres, principalmente
as vítimas de violência em relações homoafetivas”, analisa Ana Teresa.Já o advogado Zoroastro Teixeira, que atua no Mato Grosso e é especializado em direito de família, contesta a restrição. Em 2008, ele conseguiu que o cliente fosse protegido pela Lei Maria da Penha, após provar as agressões e ameaças por parte da ex-companheira. Alegou que todos são iguais perante as leis, invocando o chamado princípio de isonomia.
Desde então orienta outros colegas “de
Brasília, Rio Grande do Sul e Ceará” com demandas parecidas. “Quando o
homem é vítima de violência doméstica, não tem as garantias processuais e
a força da Lei Maria da Penha. É a via mais rápida para afastar a
agressora da vítima”, acredita. “Na minha avaliação, por excluir o homem
desta proteção, a lei fere o princípio de isonomia e é
inconstitucional. Mas eu a usei para proteger um homem violentado e
humilhado”.
Violências diferentes
Ex-desembargadora e fundadora do Instituto Brasileiro de
Defesa da Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias discorda de Teixeira e
reitera que a lei, quando é protetiva, serve para defender o “mais
vulnerável”.“A legislação trata de maneira desigual porque as mulheres não são iguais do ponto de vista de vitimização doméstica”, diz Maria Berenice, afirmando que o mesmo princípio do vulnerável é usado no Estatuto do Idoso, na lei de cotas raciais e no Código de Defesa do Consumidor.
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Segundo ela, o fato de não existir uma lei voltada às vítimas masculinas não dá às mulheres liberdade para agredir o companheiro. “Ela pode ser enquadrada em todas as outras legislações criminais. Não há salvo-conduto”, diz.
Da mesma opinião partilha a promotora do Ministério Público (MP) de São Paulo, Silvia Chakian. “A violência praticada pela mulher, via de regra, é completamente diferente da exercida pelo homem. A dela é pontual, um ataque de fúria isolado. A do homem é crônica: a vítima sofre anos calada e só encontra formas de romper com as agressões pela lei protetiva. É para estes casos existe a Lei Maria da Penha”, diz Silvia, fundadora do Núcleo Central Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do MP.
Pareceres jurídicos
Desde a criação, a Lei Maria da Penha gera contestações sobre sua validade. Em 2010, os recursos ganharam força por conta do entendimento de cinco tribunais de justiça regionais de que era uma legislação desigual – ano que coincide com o pico de 58 mulheres presas enquadradas na lei. Em 2011, parecer do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Maria da Penha não fere a Constituição e, em 2012, o entendimento dos ministros do Supremo foi de que não só a vítima, mas qualquer testemunha, poderia registrar ocorrência contra o agressor.
As denúncias explodiram. Os dados do Disque-Denúncia (180) mostram que o número foi acionado 265 vezes por dia só para o registro de casos de violência doméstica contra mulheres – 47,5 mil ligações no primeiro semestre de 2012, 13% a mais que no mesmo período de 2011, informa balanço do governo federal.
“Solução e não punição”
Lírio Cipriani, diretor do Instituto Avon, que realiza e patrocina campanhas contra a violência doméstica, pontua que “a Lei Maria da Penha foi uma ferramenta importante para dar voz à vítima, encorajar a mulher”.
“Estamos prontos para um próximo passo”, acredita.
“A mulher não quer a punição do agressor doméstico. Ela quer a solução para a violência”, diz. “Solucionar significa romper o padrão violento, a cultura que diz que o forte bate e o fraco apanha”, ressalta. “Elas não podem mais apanhar caladas e sozinhas. Mas reagir não significa ser violenta também. Não é vingança que precisamos e, sim, de uma cultura de paz”.
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