quinta-feira, 27 de junho de 2013

Entenda como será a reforma política brasileira e quais pontos que serão debatidos


O Brasil foi despertado de um certo torpor anti-político por meio de um conjunto de manifestações públicas que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras nas últimas semanas. Estas manifestações hoje podem ser diferenciadas em dois momentos: em um primeiro, elas foram organizadas por grupos de movimentos sociais e movimentos de estudantes e foram duramente reprimidas, especialmente, na cidade de São Paulo.
Também vale a pena lembrar a reação da mídia a estas manifestações que, neste primeiro momento, foram classificadas como desordem ou baderna. A partir daí, passamos para um segundo momento que se iniciou na semana passada e ainda está em curso: nele, as manifestações se ampliaram em quantidade e em número de demandas. Estenderam-se por pelo menos 70 cidades e chegaram a mobilizar mais de um milhão de pessoas.
Também nesta nova configuração, a mídia apoiou fortemente o movimento, mas destacou aquilo que ela bem entendeu, em especial o problema da corrupção no governo federal. Ao mesmo tempo, episódios de violência entre a polícia e pequenos grupos no interior das manifestações se generalizaram em especial no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília.
Duas questões se colocaram neste segundo momento, uma para o movimento e a outra o governo federal. Para o movimento, colocou-se o problema da articulação de uma pauta e da contenção da violência. Assim, além das demandas específicas como a revogação do aumento no preço das passagens, ele acabou fazendo demandas ou muito gerais ou muito contraditórias. Aqui o que me parece é que se estabeleceu um descompasso de objetivos entre o núcleo do movimento e as ações de parte das suas camadas exteriores. Esta é uma contradição importante porque o movimento começou a ser visto como patrocinador de um conjunto de pautas muito desgastadas junto à opinião pública, como por exemplo, a redução da maioridade penal.
Assim, o principal desafio do movimento é a busca de uma convergência de pauta e de práticas entre os seus participantes. De alguma maneira esta convergência acabou sendo tecida em torno do tema da reforma politica.
Há uma segunda questão que se coloca principalmente para o governo federal.
A partir da segunda semana das manifestações, a presidenta Dilma Rousseff se viu acuada pelo apoio da oposição e da midia que, de certo modo, tentaram voltar o movimento contra ela. Dilma tomou duas providências, ambas acertadas: a primeira, reconhecer a legitimidade das manifestações e o papel positivo por elas desempenhado no sistema democrático; a segunda, chamar as lideranças do movimento a Brasília e propor uma agenda positiva para o país. Esta agenda acabou sendo tomada por uma proposta: a realização de um referendo para a convocação de uma constituinte exclusiva voltada para a reforma política. Ainda que parte desta proposta tenha sido revista, irei tomá-la como ponto de partida devido à importância do tema. Ao final deste artigo, formularei uma proposta alternativa em diálogo com a proposta que se encontra na mesa hoje.
A Constituição de 1988 pode ser considerada exitosa por diversos motivos. Ela ampliou fortemente a soberania popular e a participação já no seu artigo primeiro. Universalizou políticas públicas importantes como a saúde. Transformou a assistência social em direito. E criou espaço para a democratização das políticas urbanas. Além disto, aumentou as prerrogativas do Ministério Público e do Poder Judiciário, o que, independentemente de alguns abusos que temos visto, permitiu a  ampliação das estruturas de direitos no país por meio de decisões importantes como a demarcação das terras indígenas e a aprovação das ações afirmativas.
A Constituição de 1988 inovou em quase todos os campos, com exceção de um: a organização do sistema político. Aí vemos diversos problemas: a forma de financiamento, a proliferação de partidos, a dificuldade em formar coalizões e a forma absurda como o governo forja maiorias no Congresso. Todos estes pontos tornam o Congresso mais frágil e apontam para a necessidade da reforma política.
No entanto, seja pelo papel da constituição na ampliação de direitos, seja pela normatividade especifica que existe no Brasil, não seria bom fazer uma Constituinte exclusiva, tal como foi proposto pela presidente na última segunda-feira.
Forneço alguns argumentos nesta direção. O primeiro deles reside na dificuldade de delimitar o que é uma reforma política. A Constituição de 1988 é bastante ampla e se encaixariam na definição de políticas as seguintes partes: a organização do sistema político, a organização da estrutura federativa, as políticas sociais e a relação entre o Poderes. Ou seja, com exceção das cláusulas pétreas, esta seria uma reforma generalizada ou poderia vir a se tornar caso os constituintes assim o desejassem.
Neste sentido, seria quase como convocar uma Assembleia Constituinte e recomeçar a nossa vida constitucional do zero. Neste sentido, a proposta que está na mesa hoje, a do plebiscito, parece mais adequada.
Vale a pena pensar em algumas propostas alternativas ou na combinação de algumas propostas que desempenhem um papel semelhante.
Em primeiro lugar, proponho que seja selecionado um conjunto de problemas a serem tratados pela reforma política sob a garantia de que o Congresso irá examiná-los e votá-los. Uma possibilidade é a do plebiscito com o apontamento para o Congresso de questões a serem trabalhadas na reforma politica. Esta é uma boa possibilidade, mas, para ser colocada em um plebiscito, não pode ter mais do que algumas questões.
Dificilmente a população conseguiria discutir e se posicionar em relação a um número alto de questões.
Outra possibilidade é uma grande campanha nacional conduzindo a uma iniciativa popular de lei que poderia ter o apoio de amplos setores do sistema político e que já contasse com formulações legais mais precisas sobre onde se quer chegar. Talvez uma combinação entre as duas propostas seja o ideal.
Ainda assim, para que a reforma política se torne factível é necessário limitar alguns dos seus pontos.
Uma discussão neste nível de magnitude sobre a reforma política deveria abarcar apenas cinco pontos: financiamento de campanha; cláusula de barreira (que acho que deveria voltar com um teto mais baixo, 1% a 2%); lista de votação aberta versus fechada; voto distrital - que não sou a favor, mas acho inevitável discutir; redefinição dos mandatos com propostas de recall ou suspensão.
Ir além destes pontos tornaria quase inviável um plebiscito e, no final, geraria muita frustração.
Estes pontos podem ser votados em plebiscito e especificados em uma proposta de iniciativa popular de lei. Mas, ainda mais importante, acho que eles deveriam envolver um pacto entre a presidente e o Congresso de finalização da reforma em, no máximo, seis meses.
O Brasil avançou enormemente nestas duas semanas.
O movimento das ruas já mostrou a sua importância ao revogar o aumento das tarifas de ônibus, ao derrubar a PEC-37 e ao aprovar aumentos significativos nas verbas para a saúde e a educação. Uma reforma política viável coroaria este processo.

Carta Capital 

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